Todo dia ela faz tudo sempre igual. Fazia. No meio do caminho surgiu uma pandemia, que virou toda a rotina de cabeça para baixo e obrigou todo mundo a se reinventar e se readequar ao “novo normal”, ao trabalho remoto, aos filhos fora da escola, tendo aulas pela internet, e a um caminhão de emoções, que oscilam rapidamente entre medo, ansiedade e tristeza.
Não foi e não está fácil para ninguém, no entanto um estudo realizado pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) apontou que as mulheres foram as mais afetadas emocionalmente durante a pandemia, respondendo por 40,5% de sintomas de depressão, 34,9% de ansiedade e 37,3% de estresse.
Embora a pesquisa não tenha detalhado as razões que levaram as mulheres a terem mais sofrimento psíquico, é possível perceber que são elas que cumprem dupla jornada, ficando responsáveis por todo ou maior parte do trabalho doméstico mesmo que trabalhem fora, acompanham o desenvolvimento escolar dos filhos e ainda foram obrigadas a ainda tiveram de enfrentar todas as preocupações relacionadas ao coronavírus, como o medo da contaminação, necessidade de mudanças de hábitos de higiene e redução do convívio social.
Segundo a psicóloga Caroline Gomes Xavier, que atua na Gestão em SST (Saúde e Segurança do Trabalho) do Sesi, as queixas apresentadas por pacientes mulheres durante a pandemia tiveram algumas semelhanças, especialmente em relação às adaptações diante de uma nova rotina pela necessidade de isolamento.
“Eram comuns queixas relacionadas à ansiedade do momento e do futuro incerto, medo perante um vírus letal, medo de se infectar e passar para pessoas queridas, a sobrecarga da nova rotina, que era mais significativa em mulheres que tinham filhos. Também ocorreram queixas como irritabilidade, desânimo, dificuldades para dormir, sentimento de incapacidade, aumento de peso e conflitos relacionais”, afirmou Caroline Xavier.
Ela acredita que as mulheres foram mais afetadas do que os homens e há pesquisas da USP e da Fiocruz que confirmam essa diferença. “Creio que as mulheres possuem historicamente muitas ‘lutas’ que as colocam em risco de vulnerabilidades emocionais, inclusive coletivamente. Além disso, as mulheres são naturalmente multitarefas, assumem e absorvem com mais facilidades as atividades domésticas, inclusive o cuidado com os filhos, com os pais ou entes queridos”, completou.
Para conseguir reduzir os impactos emocionais da pandemia, a psicóloga sugere técnicas de respiração e meditação, que possibilitam o estado de relaxamento, favorecem o sono, entre outros benefícios. “Existem bons aplicativos disponíveis e gratuitos, mas independente da técnica, é importante que essas mulheres encontrem práticas que façam sentido. Também vale estabelecer dentro da rotina momentos para o autocuidado e lazer”, elencou.
No entanto, se nenhuma dessas dicas apresentarem resultados positivos, é importante saber a hora de pedir ajuda, que além de ser um ato de coragem é um gesto de amor próprio. “É fundamental reconhecer seus próprios limites e buscar profissionais especializados”, finaliza Caroline Xavier.
Reorganização
Para a auxiliar administrativa da Agosto Confecções, indústria do vestuário localizada na Capital, Nathany de Arruda Maja, de 33 anos, a pandemia trouxe pânico, apreensão e angústia já nos primeiros dias. “Foi desesperador. A gente parou por alguns dias naquele lockdown que teve em Campo Grande, mas a linha de produção continuou funcionando. Foi muito difícil aquele momento de incertezas, sem saber se teríamos emprego, se a empresa conseguiria continuar de portas abertas”, recorda.
Logo em seguida, veio o desafio de trabalhar de casa ao mesmo tempo em que foi obrigada a cuidar dos dois filhos de 8 anos e de 1 ano e nove meses. “A menor já ficava na minha sogra enquanto eu trabalhava e o maior ia para a escola, mas com as aulas presenciais suspensas, o jeito foi ficar todo mundo em casa. Eu e meu marido tentamos nos dividir, enquanto um trabalhava o outro ficava com as crianças, mas nem sempre dava tão certo assim. Foi um grande desafio e extremamente estressante. Tenho pedidos de clientes até hoje que estão tudo rabiscados, desenhados, com marca de mãozinha suja”, conta.
Quando já estava quase adaptada à rotina de trabalho, filhos e atividades domésticas praticamente ao mesmo tempo e no mesmo espaço, Nathany voltou ao trabalho presencial e veio uma nova angústia: o que fazer com as crianças? Como a sogra já ajudava com a filha mais nova, foi a ela novamente que recorreu. “Eu me sinto um pouco culpada, porque sei o quanto é difícil cuidar de uma criança, de duas nem se fale! Sei que ela fica cansada, mas agora o mais velho voltou para a escola e as coisas estão se ajeitando”, declara.
Para a auxiliar administrativa, ter uma rede de apoio é motivo de comemoração. “Tenho sorte por ter com quem contar, mas penso nas mulheres com filhos e que não têm ninguém para ajudar. Com todo esse apoio que tive já foi difícil, me senti mais ansiosa, descontei na comida, estou estressada. Imagina essas outras mulheres”, finaliza.
Insegurança e ansiedade
Já para a costureira da Agosto Confecções, Fabiana da Silva Franco, de 23 anos, o maior medo assim que a pandemia do coronavírus chegou ao Brasil, foi de se infectar e acabar contaminando a mãe e o filho de três anos, com quem mora. Esse medo era alternado com o receio constante de ser demitida em plena pandemia, com boa parte das empresas suspendendo as atividades presenciais e reduzindo o quadro de funcionários.
“Como eu iria arrumar emprego no meio de toda essa crise? Detalhe que eu comecei a trabalhar aqui em fevereiro de 2020 e pandemia começou em março. Eu ainda estava no período de experiência e seria a opção mais barata para a confecção me demitir se fosse necessário fazer cortes. Foi horrível! Fora o medo de ficar doente, de contaminar quem a gente ama, de precisar ser afastada do trabalho. É uma angústia muito grande”, relembra Fabiana.
Ela ainda comenta que mesmo empregada e sem precisar reduzir a jornada de trabalho, as despesas acabaram aumentando consideravelmente em casa. “Eu tenho um salário razoável, mas meu filho de três anos de idade deixou de ir para a creche e eu precisei pagar uma babá, porque minha mãe também trabalha fora e não tinha como me ajudar com ele. Foi um baque financeiro que dura até hoje, porque ele ainda não voltou para a escola, então continuo pagando a babá”, comenta.
Com relação às atividades domésticas, Fabiana disse que não sentiu tanta diferença, porque como trabalha na linha de produção e as indústrias não paralisaram as atividades, o tempo no trabalho e o tempo em casa sempre ficou muito bem dividido. “O administrativo no começo foi para a casa e acho que foi mais difícil para quem fez teletrabalho, mas para mim não houve diferença. O que impactou mesmo foi o medo, o estresse e a despesa que tive para pagar uma pessoa para cuidar do meu filho”, conclui.
Fonte: Fiems