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Postada por: Andrey Vieira dia 05/10/2011
Sócrates: 'Não tenho medo de morrer. Briguei pela vida'
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A casa da escuridão: assim Sócrates chama seu lar em Barueri (SP), onde se recupera de duas internações por causa de sangramentos no estômago e esôfago, decorrentes da cirrose.


– De manhã a gente lê, à noite ouvimos música – diz o ex-craque, obrigado a se mudar da sala de visitas para a de jantar quando o entardecer passou a prejudicar a filmagem da entrevista pela TV LANCE!.
Assim que a porta foi aberta pela esposa Kátia Bagnarelli, foi possível notar o gosto refinado. No som, Beatles. Ao lado, a caixinha do CD de

Nas mesas de canto, livros. Da biografia de Leônidas da Silva, o Diamante Negro, a intelectuais como Karl Marx e Nietzsche, passando por Che Guevara e Fidel.


– O mais importante é a capacidade de aprendizado. Se você tem um cérebro voltado para isso, aprende em todos os momentos.
Ídolo no Corinthians e na Seleção Brasileira, médico, politizado, Sócrates aprende agora a viver depois da quase morte. Desde agosto, foi internado duas vezes, esteve na UTI e o médico chegou a preparar sua mulher para o pior. Em casa, cultiva novos hábitos, mais saudáveis, sem o álcool, prazer que o acompanhou em boa parte da vida.


– Não tenho dependência alguma. Eu escrevia fumando um cigarro e com um copo de vinho. Isso não vai me fazer falta. Tenho amigo que coloca 20 adesivos de nicotina para viajar de avião. Isso é dependente químico. Para mim era só prazer.
30 quilos mais magro, Sócrates abriu sua casa e seu coração para o LANCENET!. Garantiu não ter medo de morrer e pressa para realizar seus objetivos. Uma campanha de conscientização das crianças e o combate à perpetuação no poder no futebol estão entre eles.


Leia a seguir:
Paulo Motoryn: Seu problema de saúde grave foi um baque grande, vai causar uma mudança de vida?
Sócrates: Não. Foi doído ficar dez dias entubado, 15 na UTI. Mas na perspectiva emocional continua a mesma coisa. Talvez agora tenha mais pressa de realizar o que ainda quero fazer.


Valdomiro Neto: Não pensa em rever algumas coisas por ter chegado a uma situação limite?
S: Não foi limite, foi gravíssima. Demorou para achar a causa porque era uma hemorragia venosa, e não arterial, que é mais comum. Não me arrependo de porra nenhuma que fiz na vida. Não tenho de estar morrendo para pensar, repensar... Meu fígado está bom pra caramba. O processo circulatório é que está com problemas e causa sangramentos. Se o processo circulatório hepático fosse no glóbulo esquerdo, ninguém saberia.

Não tenho dependência ao álcool nem cigarro.
VN: Recentemente, uma coluna do Ruy Castro na "Folha de S. Paulo" citou seu caso como dependência. Você diz que não é. Incomoda esse julgamento das pessoas?


S: Ele deve ter transferido experiências para mim. É normal que algumas pessoas tenham carências e queiram dividir, pensam por que outros também não as tem. Não teria vergonha alguma de ser dependente de alguma coisa. Sou dependente da minha mulher, mas não do cigarro ou do álcool.


Alexandre Lozetti: Você teve medo de morrer em algum instante?


S: Todos nós vamos morrer. A gente se engana achando que não. Temos de aproveitar bem a vida, ela é importante, não a morte. Saber viver e respeitar suas missões e compromissos com a pátria que te escolheu e as pessoas que você ama. Agora mesmo pode cair um meteorito na minha cabeça e pronto, tchau!


AL: Mas se for possível adiar um pouquinho é melhor, não?
S: É difícil achar um guarda-chuva que aguente um meteorito (risos). Se você tem medo de morrer, é mais fácil morrer. Briguei três meses para viver, podia ter desistido e estive perto. Mas minha luta sempre foi para viver, cada segundo, e vão me aguentar por muito tempo ainda.
AL: Você se lembra de alguma coisa na UTI?


S: Nada. Além do coma induzido, eu me induzi ao coma (risos). Falei assim: vamos cuidar do resto. O organismo é muito inteligente, desliga tudo. Enquanto não recuperar todas as forças, a capacidade de compreensão fica mais complicada.
AL: Largou o cigarro também?


S: Não estou fumando. Muito pouco... Hoje não tem nenhum cigarrinho aqui.


VN: Você sempre se posicionou em assuntos políticos, como contra o Ricardo Teixeira. Por que é tão difícil vermos manifestações parecidas de jogadores de futebol?


S: Existe uma coerção ao pensamento do jogador de futebol, talvez por sua popularidade, força política e econômica. Ele tem tudo que um político sempre quis: poder social, econômico e político, mas não usa. Mas isso vai acontecer. O Paulo André (zagueiro do Corinthians) é amigo da Kátia (esposa) e fala da dificuldade de lutar contra o sistema. O artista tem de ter mais poder do que o patrão. Temos de mudar a Constituição. Ela dá autonomia às entidades, que mudam estatutos a qualquer hora. Quem leu antes ficou anos e anos: Ricardo Teixeira, Eurico Miranda, (Eduardo José) Farah... O estado não tem controle.
PM: Você consegue enxergar uma mudança nesse cenário?


S: Vai mudar. O processo num país com sociedade em construção, é desconhecido. O grau de mobilização é variável, são muitos interesses envolvidos. Mas é uma situação incompatível com o que esperamos. Há 20 anos lutávamos por eleições diretas e há um ano um metalúrgico terminou mandato de oito anos. Essa pátria muda muito rápido. Somos um povo miscigenado, carente por mudanças e temos pressa. Não sei como vai mudar, mas vai, e se bobear, antes da Olimpíada-16. Uma hora explode. É acreditar muito na impunidade que escapem tanto assim, e quando pegarem o peixe grande, tudo vai ao pasto. Ricardo Teixeira é o principal.
VN: Está surgindo muita coisa contra o Teixeira. Você o vê caindo?


S: Vejo. Há muitas falhas de estrutura nessa configuração que ele criou com excesso de confiança na impunidade. Politicamente se cercou bem, com deputados e gente da Justiça que trabalha para ele. Mas há falhas. Não sei porque pararam de falar na história do Delta Bank. Isso é agiotagem, contrair empréstimos pagando 50% ao ano em dólar! Isso, nos Estados Unidos, prende todo mundo. A Justiça tem de mexer nisso. Ele (Teixeira) representa o país. Em 2014 será mais importante do que o presidente da República. Vamos deixar esse cara lá?
Nota de Redação: em 2000, na CPI do Futebol, o Senado investigou empréstimos contraídos pela CBF no valor de US$ 36 milhões, a maior parte do montante junto ao Delta Bank, dirigido nos EUA por empresários ligados a Teixeira, que foi avalista da operação e pagou com taxas de juros muito superiores às utilizadas na época no país.


PM: A Justiça deve mexer, mas ele pode cair pela força popular?
S: É fundamental a mobilização popular. Temos dois grandes grupos políticos: as torcidas organizadas e o MST (Movimento dos Sem Terra). A burguesia teme que esses grupos se fortaleçam ainda mais. Imagine as torcidas dos quatro grandes do estado numa ação comum, contra aumento no preço de ingressos, por exemplo. O grau de politização das organizadas vai dar a linha do nosso futuro. Esses movimentos estão no nascedouro e têm a ver com mudança na sociedade, é mais profundo do que futebol.


PM: É possível fazer uma analogia com a Democracia Corintiana, em que o futebol foi agente de transformação social na época da ditadura?
S: É isso. Sempre dependemos de pensadores. De quem escolhe, de quem executa e da massa. O futebol pode fazer a massa tomar um papel mais importante.


AL: Como vê atuação da presidenta Dilma no processo da Copa?
S: Ela está reagindo às pretensões da Fifa, que quer portas abertas para os patrocinadores. A gente investe e eles ganham? Talvez pensem em protelar a construção de estádios absolutamente desnecessários, como o de Natal, para que não haja investigação. Mas vejo na figura dela uma resistência clara. Imagine como foi na Alemanha, que tem as melhores cervejas do mundo e viu a Budweiser dos Estados Unidos patrocinando a Copa. É o exemplo de como a Copa do Mundo é da Fifa e não do país que a sedia.


VN: Parece que Teixeira não tem medo de nada, não acha?
S: Tem medo, sim. Tem muito medo. Imagina se um cara desses perde o poder. Ele não é nada, nunca teve nada. Deve ser uma vida vazia pra caralho. Que graça tem?


Fonte: Lance







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