Futebol nacional vive 'era do medo' com torcida
Carros quebrados, tumulto dentro do vestiário, abordagem surpresa, pontapés e até armas. O cenário parece de guerra, mas tem sido frequente no futebol brasileiro e expõe uma situação grave. Vítimas da violência, os jogadores estão vivendo uma verdadeira ‘era do medo’ em meio à falta de preparo dos dirigentes de clubes e ao descaso dos órgãos públicos no país.
O presidente da Gaviões da Fiel Eduardo Fontes, o Pantchinho, garantiu que a torcida organizada não participou da invasão no CT Joaquim Grava após a eliminação do Corinthians. O líder diz que qualquer integrante da torcida que se envolver em episódios violentos será automaticamente expulso.
Pantchinho aponta a pirataria como um grande vilão no combate aos crimes. Segundo ele, torcedores comuns compram a camisa pirateada da Gaviões e mancham o nome da torcida ao cometer atitudes violentas como as ocorridas no início do mês.
“A opinião pública fica contra a gente por isso. O que fazemos é continuar trabalhando. Fazemos até um importante trabalho de prevenção com todas as torcidas organizadas do país”, disse.
Nas últimas semanas, dois episódios envolvendo torcida e jogadores de futebol causaram susto, ganharam repercussão nacional e tiveram o mesmo fim. Roberto Carlos deixou o Corinthians após receber ameaças pela eliminação na Libertadores e se transferiu para a Rússia. Já Heverton acertou um empréstimo com o Atlético-PR às pressas depois de ser agredidos pela torcida da Portuguesa.
Nos dois casos, a decisão foi motivada pelo sentimento de insegurança. O ex-meia-atacante da Lusa se nega, inclusive, a dar entrevistas sobre o assunto e alega que tudo já foi resolvido em uma reunião com a diretoria do clube. Agora, foca sua vida nova em Curitiba.
O receio de uma retaliação impede os jogadores de buscarem justiça. É nisso que acredita o presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado de São Paulo, Rinaldo Martorelli. O ex-jogador diz que ele mesmo já recebeu ameaças por se posicionar de forma contrária aos clubes em alguns assuntos. “Dá muito medo, até para nós mesmo”.
O zagueiro do Corinthians Paulo André é um dos jogadores mais engajados na luta pelos direitos dos atletas. Ele foi um dos únicos que se posicionou a respeito dos episódios de vandalismo no CT Joaquim Grava através de um post em seu blog. No desabafo, dizia entender o sentimento de revolta pela eliminação, mas defendia que a violência não melhoraria a situação do time.
Paulo André é um caso raro de atleta que se expõe. Ainda assim, não se sente muito confortável ao falar do assunto e aconselha os colegas a se posicionarem em grupo.
“Acho muito complicado o atleta procurar ajuda sozinho. Pode ter retaliação e um movimento contrário da torcida. Acredito que devam expor a opinião, talvez em conjunto, para que as coisas mudem. Quem expõe sozinho corre mais rico por isso. Até de perder o emprego”, disse.
O caso de violência contra dirigentes também tem se tornado comum. No último fim de semana, o vice-presidente de futebol do Paraná, Paulo César Silva, foi abordado por três torcedores quando chegava à Vila Capanema. O cartola recebeu um chute e precisou ser internado para fazer exames. Em 2008, o então presidente do Atlético-MG Ziza Valadares renunciou ao cargo sob a alegação de ter recebido ameaças pela má campanha do time.
A agressão de Leão no Santos foi talvez o caso recente mais emblemático de violência contra técnicos. Em 2008, o treinador foi à Vila Belmiro para receber salários atrasados e acabou cercado por um grupo. Acuado, foi agredido com uma barra de ferro, recebeu socos e teve pertences roubados.
Ironicamente, de vítimas os cartolas podem virar complacentes com a situação. Na visão de Paulo André e Martorelli, os dirigentes não estão preparados para lidar com a fúria da torcida e são até negligentes. Muitos se deixam levar pela paixão, incitam a violência com uma provocação ao rival e vivem uma relação de ‘amor e ódio’ com os jogadores.
O caso recente mais emblemático foi o do presidente do Atlético-MG Alexandre Kalil diante da má situação do time, quase rebaixado no Brasileirão de 2010. ‘Se eles (jogadores) tomarem um cacete na madrugada, não vai fazer mal nenhum”, disse, na época.
Nos casos de Corinthians e Portuguesa, o presidente do Sindicato alerta que deveria ser armado um aparato de segurança especial diante de uma possível eliminação alvinegra no torneio continental. O episódio no Canindé é ainda mais grave, já que os torcedores foram autorizados a entrar no estádio.
O gerente de futebol do Cruzeiro Valdir Barbosa sai em defesa dos clubes. Em sua visão, a responsabilidade deve ser dividida, inclusive com a imprensa. "O futebol é um todo e dele fazem parte torcida, imprensa e clube. Todos têm uma parcela de responsabilidade e devem reconhecê-la. Da mesma forma, há jornalistas que incitam a violência também. É uma coisa de conscientização, porque o vento não sopra apenas de um lado. Jogadores, dirigentes e jornalistas já foram agredidos”, avaliou.
Fonte: UOL
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